Como sempre contamos a história da Pororoca em duas linguagem, uma em Português Paraense e outra em Português do Brasil

A Pororoca: A Catedral do Brega na Sacramenta que Deixou Saudade
Égua, mana! Nem te conto! Tu lembras daquele tempo em que a Avenida Senador Lemos tremia mais que jamelão em ventania? Pois é, estamos falando da lendária Casa de Show A Pororoca. Se tu nunca foste lá bater um brega suado, tu estavas boiando ou morando lá na caixa prego, porque aquilo ali era o point da galera.
1. O “Point” da Sacramenta: Onde o Barulho era Discunforme
A Pororoca não era um lugarzinho meia tigela, não. O negócio ficava cravado no coração da Sacramenta, bem ali na Senador Lemos, nº 3316. Era um vaivém de gente que parecia formiga. A calçada virava uma festa à parte, com gente vendendo tacacá, churrasquinho e bombom. O movimento era tanto que sustentava muita gente brocada que trabalhava ali fora.
O nome “Pororoca” caiu como uma luva. Sabe aquele barulho estrondoso do encontro das águas? Pois é, o som da casa era maceta , trevia as paredes e chamava a galera de longe. Era um convite para quem queria se esbaldar na noite.
2. Bandas de Responsa: Nada de “Só Apertar o Play”
Aqui tá o pulo do gato: enquanto muita casa de show já estava se entregando só para as aparelhagens (que também são pai d'égua ), o dono da Pororoca, o André, era cabeça. Ele bateu o pé e disse: “Aqui vai ter banda!”.
O palco da Pororoca era sagrado. Por lá passaram ícones que hoje são só o filé da nossa música:
Tonny Brasil: O pai do Tecnobrega, que até fez o hino da casa: “A Pororoca chegou para ficar…”. Tu cantaste isso, que eu sei!
Gaby Amarantos: Na época da Tecnoshow, ela já era invocada e fazia a galera delirar com aquele visual estorde (diferente).
Banda Caferana e Quero Mais: Gravaram DVDs lá com a casa lotada até o tucupi.
Era o lugar onde o músico mostrava que manjava dos paranauês ao vivo, suando a camisa e fazendo a gaiatice acontecer no palco.
3. Estrutura de Gigante e uns “Perrengues”
Maninho, aquilo cabia gente discunforme! Eram umas cinco mil cabeças se espremendo na pista e nos camarotes. Tinha até mezanino pra quem queria pagar de bacana e ficar olhando a muvuca de cima. O André não era pão duro com a equipe não: tinha uns 40 funcionários tudo de carteira assinada, coisa rara na noite, viu?
Mas nem tudo era festa. Já rolou uns babados tensos. O Jefferson, que cuidava do som, contou que uma vez deu um curto e pegou fogo nos equipamentos dele. Miserável! O prejuízo foi grande, mas como o povo de lá é duro na queda, a vida seguiu.
4. O Fim de uma Era: “Já Era”
Hoje, se tu passares lá na frente, vai bater aquela tristeza. A Pororoca fechou, levou o farelo. Dizem as bocas miúdas que foi uma mistura de tudo: a fiscalização apertou (depois daquele caso triste da Kiss), as aparelhagens gigantes dominaram o mundo e o custo ficou alto demais.
Agora, a Pororoca vive na memória e no YouTube. Quando a gente vê aqueles vídeos antigos, dá até vontade de chorar de saudade. Foi um tempo bacana, onde a Sacramenta era a capital do brega.
E aí, parente? Tu chegaste a ir na Pororoca ou só ouviste a fama? Quem não foi, perdeu o bonde, porque aquilo ali era muito firme!
A Catedral do Som Periférico: Estudo Sócio-Histórico, Econômico e Cultural da Casa de Show A Pororoca na Dinâmica Urbana de Belém do Pará
1. Introdução: A Cidade, o Som e o Território
A cidade de Belém do Pará, metrópole encravada na Amazônia Oriental, configura-se historicamente não apenas como um entreposto comercial ou administrativo, mas como um laboratório de hibridismos culturais intensos. Entre as manifestações que moldam a identidade contemporânea da urbe, a música — e especificamente o circuito das festas populares — assume um papel de protagonista na organização do tempo social e na demarcação dos territórios urbanos. Neste cenário complexo, a Casa de Show A Pororoca ergue-se como um objeto de estudo fundamental para compreender a transição da boemia tradicional para a indústria do entretenimento de massa na virada do milênio.1
Situada estrategicamente no bairro da Sacramenta, na movimentada Avenida Senador Lemos, A Pororoca transcendeu a função primária de estabelecimento comercial voltado ao lazer noturno. Durante seus anos de atividade, ela operou como um centro de legitimação de gêneros musicais estigmatizados, como o Brega e o Tecnobrega, servindo de palco para a profissionalização de artistas e bandas que hoje compõem o panteão da Música Popular Paraense (MPP).3 Mais do que uma simples “casa de dança”, o local funcionou como uma instituição econômica complexa, gerando emprego formal em uma escala atípica para o setor e fomentando uma cadeia produtiva que envolvia desde a venda de alimentos até a produção audiovisual de DVDs piratas, vetores essenciais para a circulação da música periférica.2
Este relatório propõe uma arqueologia cultural detalhada da Casa de Show A Pororoca. Através da análise cruzada de registros documentais, relatos orais preservados em mídias digitais, dados econômicos fragmentados e literatura sociológica sobre o lazer na Amazônia, busca-se reconstruir não apenas a história do estabelecimento, mas o ecossistema social que ele sustentava. A investigação aborda desde a infraestrutura física e as políticas de gestão — marcadas pela resistência à mecanização das aparelhagens e pela valorização da performance ao vivo 6 — até os incidentes operacionais, como incêndios, que revelam a precariedade e os riscos inerentes à noite belenense.7 Ao final, o documento situa o fechamento da casa no contexto das transformações urbanas e regulatórias recentes, discutindo o legado de “saudade” que o nome Pororoca ainda evoca no imaginário coletivo da capital paraense.
2. Geopolítica do Lazer: A Sacramenta como Epicentro Cultural
2.1. O Bairro da Sacramenta na Malha Urbana
Para compreender a relevância de A Pororoca, é imperativo analisar o solo onde ela foi edificada. A Sacramenta é um dos bairros mais populosos e densos de Belém, caracterizado historicamente por uma ocupação de classe trabalhadora e por uma forte tradição de associativismo comunitário e religioso.8 Diferente dos bairros nobres do centro (como Nazaré ou Batista Campos), que abrigam clubes de elite, ou das periferias mais distantes (como Icoaraci), a Sacramenta ocupa uma posição intermediária, funcionando como uma “dobradiça” entre o centro expandido e as zonas industriais e residenciais da zona sul da cidade.
Esta localização geográfica conferiu à A Pororoca uma vantagem logística incomparável. O bairro é cortado por duas artérias vitais de mobilidade: a Avenida Pedro Álvares Cabral e a Avenida Senador Lemos. A instalação da casa no número 3316 da Senador Lemos 9 garantiu visibilidade imediata e acessibilidade facilitada. O fluxo contínuo de linhas de ônibus ao longo desta via permitia que o público de bairros adjacentes — como Telégrafo, Pedreira, Marambaia, Val-de-Cans e Barreiro 8 — convergisse para o local sem depender exclusivamente de transporte privado, um fator crucial para a viabilidade de um empreendimento voltado às classes C, D e E.
2.2. A Avenida Senador Lemos como Corredor de Consumo
A Avenida Senador Lemos não é apenas uma via de trânsito; é um corredor comercial e cultural pulsante. A presença de A Pororoca neste eixo catalisou uma transformação na microeconomia local. Durante as noites de funcionamento (quinta a domingo), o trecho da avenida em frente ao número 3316 transmutava-se. A calçada e o canteiro central tornavam-se extensões do espaço de festa, ocupados por uma economia informal vibrante: vendedores de churrasquinho, tacacazeiras, “bombonzeiros” (vendedores ambulantes de cigarros e doces) e mototaxistas.2
Este fenômeno de “transbordamento” é típico das grandes casas de show da Amazônia urbana. A Pororoca funcionava como um “nó” econômico, irradiando oportunidades de renda para a vizinhança. A dinâmica da avenida, portanto, era ritmada pela agenda da casa: o silêncio dos dias úteis dava lugar ao frenesi dos fins de semana, onde o som que vazava das paredes da casa de show competia com o ruído do tráfego, criando uma paisagem sonora inconfundível que marcava a identidade do bairro.10
2.3. Vizinhança e Concorrência
O ecossistema de lazer na região não era solitário. A Pororoca coexistia e competia com outros estabelecimentos que, juntos, formavam um circuito de entretenimento. Documentos citam a proximidade (física ou simbólica no circuito) de locais como o Chamego, Bolo da Vovó, Bar Theatro Vitrola e Solar da Praça.9 Contudo, A Pororoca distinguia-se pela escala. Enquanto muitos desses vizinhos operavam como bares, restaurantes ou locais de música ambiente, A Pororoca posicionava-se como uma “casa de espetáculos” de massa, com capacidade para milhares de pessoas, estabelecendo uma hierarquia clara na oferta de lazer da região.
3. Infraestrutura, Arquitetura e a Metáfora do Nome
3.1. A Semântica do “Estrondo”
O nome escolhido para o empreendimento — A Pororoca — carrega uma carga simbólica densa na cultura amazônica. O fenômeno natural da pororoca, o encontro violento das águas do rio com o mar que gera ondas destrutivas e um estrondo audível a quilômetros de distância 11, serve como a metáfora perfeita para a proposta da casa de show.
- Intensidade Sonora: Assim como o fenômeno natural é anunciado pelo seu barulho, a casa de show era conhecida pela potência de seu sistema de som, capaz de fazer vibrar as estruturas vizinhas.
- Encontro de Fluxos: O nome sugere o encontro de diferentes fluxos sociais e culturais — a mistura de ritmos (o “rio”) com a massa de público (o “mar”).
- Força da Natureza: Na cosmologia local, a pororoca é algo incontrolável e grandioso. Ao adotar esse nome, os proprietários reivindicavam para o estabelecimento a posição de “fenômeno” inevitável da noite belenense, uma promessa de experiência avassaladora e memorável para o frequentador.
3.2. Capacidade e Zoneamento Interno
A arquitetura de A Pororoca foi projetada para acomodar multidões, com fontes indicando uma capacidade máxima estimada em cinco mil pessoas.2 Esta escala coloca a casa em uma categoria distinta das antigas “sedes” de clubes de futebol ou associações de bairro, aproximando-a das modernas arenas de eventos.
O layout interno refletia uma estratégia de segmentação social e maximização de receita, comum em grandes venues:
- Pista: O coração pulsante da casa, um amplo vão livre destinado à dança, onde a interação corporal e a proximidade com o palco eram máximas. Era o espaço da massa, do calor humano e da energia coletiva.
- Camarotes e Mezanino: A existência de níveis superiores (mezanino) e áreas segregadas (camarotes) 9 revela uma tentativa consciente de atrair um público com maior poder aquisitivo ou que desejava distinção social. Esses espaços ofereciam, em tese, melhor visão do palco, serviço de bar exclusivo e, crucialmente, distanciamento da multidão da pista.
- Análise Sociológica: A introdução de camarotes em casas de brega, como A Pororoca, foi um passo fundamental na “gentrificação” do gênero. Permitiu que a classe média belenense frequentasse esses espaços sob a proteção de uma barreira física e simbólica, consumindo a cultura periférica sem se misturar totalmente a ela.
3.3. Equipamento Técnico e Riscos Operacionais
Para sustentar shows de grande porte, A Pororoca demandava uma infraestrutura técnica robusta. Relatos indicam que a casa não possuía todo o equipamento de som e luz como ativo próprio, dependendo de parcerias com fornecedores externos. O empresário Jefferson, da Jeffersom Eventos, relata em entrevista que mantinha equipamentos (“material”) instalados fixamente na casa.7
O Incidente do Incêndio:
A precariedade das instalações elétricas e o alto risco operacional, infelizmente comuns na noite brasileira, fizeram parte da história de A Pororoca. O mesmo Jefferson descreve um episódio de incêndio na casa que resultou na perda total de seus equipamentos (especificamente dois retornos de palco).7
- Implicações: Este incidente lança luz sobre as condições de segurança. Em grandes casas de show com alta carga de materiais inflamáveis (isolamento acústico, madeira, tecidos) e instalações elétricas sobrecarregadas por amplificadores potentes, o risco de fogo é constante. O relato sugere que, apesar do sucesso de público, a gestão de riscos e a manutenção preventiva podiam ser pontos vulneráveis. O fato de Jefferson mencionar que “não cobrou” o prejuízo do administrador (André) também revela a informalidade e o personalismo nas relações comerciais do setor: os negócios eram geridos na base da confiança e da parceria, muitas vezes à margem de contratos de seguro formais.
4. O Ecossistema Musical: Resistência e Inovação no Circuito Brega
4.1. A Política de “Apenas Bandas”
Um dos insights mais reveladores da pesquisa é a distinção política e estética de A Pororoca em relação ao mercado dominante de Belém. Enquanto a cena do TecnoBrega caminhava a passos largos para o domínio total das Aparelhagens (estruturas de som gigantescas como o Super Pop, que funcionam como o artista principal, dispensando músicos no palco), A Pororoca manteve, por um longo período, uma resistência a esse modelo.
Fontes documentais afirmam que o proprietário da casa era “um dos únicos a não contratar aparelhagens, apesar da insistência de alguns proprietários dos empreendimentos”.2 A política da casa era focada na contratação de cantores e bandas ao vivo.
- Significado Cultural: Esta postura posicionava A Pororoca como uma guardiã da performance musical “orgânica”. Em um momento em que a tecnologia digital (CDJs, samplers) substituía instrumentistas, A Pororoca valorizava a presença física do músico, a execução instrumental e a interação direta do cantor com a plateia.
- Impacto Econômico: Esta escolha implicava custos operacionais mais altos. Contratar uma banda completa (baterista, guitarrista, tecladista, metais, bailarinos) custava entre R$ 1.500,00 e R$ 4.000,00 por apresentação na época 2, além de exigir logística de transporte e passagem de som muito mais complexa do que a de um DJ de aparelhagem. No entanto, isso conferia à casa um prestígio de “Show” (com “S” maiúsculo), diferenciando-a dos bailes puramente mecânicos.
4.2. O Santuário do Brega e suas Vertentes
Apesar de abrir espaço para outros ritmos como o Reggae (com apresentações frequentes do DJ Manoel de Jesus Bouçao/Dj Jr Pedra desde 1993 14), o DNA de A Pororoca era o Brega. A casa serviu como laboratório para a evolução deste gênero, acolhendo suas diversas mutações:
- Brega Tradicional/Romântico: Focado na “sofrência” e na melodia.
- Tecnobrega: A fusão acelerada com batidas eletrônicas, que dominou os anos 2000.
- Melody: Versões aportuguesadas de sucessos pop internacionais, com batidas marcadas.
- Calypso e Lambada: Ritmos dançantes essenciais para a dinâmica de pares na pista.
A casa também recebia gêneros complementares para garantir a diversidade da noite e segurar o público até a madrugada, incluindo Forró, Zouk, Cúmbia e Merengue 4, refletindo a conexão caribenha da música paraense.
4.3. Artistas Residentes e o Hino da Casa
A simbiose entre a casa e os artistas era tão profunda que A Pororoca possuía seu próprio “hino”. A música-tema “A Pororoca”, composta e interpretada pelo ícone Tonny Brasil (frequentemente aclamado como o “pai do Tecnobrega”), servia como jingle promocional e abertura das noites. A letra da música funciona como um manifesto da casa:
“O espetáculo vai começar / É a grande sensação / A Pororoca chegou para ficar / Toda semana tem atração”.15
Além de Tonny Brasil, a casa foi palco fundamental para a trajetória de:
- Gaby Amarantos: Antes da fama nacional, Gaby liderava a banda Tecnoshow, sendo uma atração frequente que ajudou a consolidar a imagem moderna e visualmente extravagante do Tecnobrega na casa.2
- Banda Caferana Pop: Um dos grupos mais populares do circuito, que escolheu A Pororoca para a gravação de múltiplos DVDs ao vivo.5
- Banda Quero Mais: Outro grupo de relevância que registrou sua performance na casa em DVD.17
- Banda Ktrina: Também possui registros audiovisuais importantes no local.19
A escolha de A Pororoca para a gravação de DVDs é estratégica. Na economia do Tecnobrega, onde a venda de CDs/DVDs piratas é o principal meio de divulgação (e não um problema), gravar um show ao vivo com a casa lotada (5 mil pessoas gritando) servia como prova social de sucesso. O DVD gravado na A Pororoca funcionava como um cartão de visitas que circulava nas bancas de camelô de todo o estado, validando a banda para contratantes do interior.
5. Arquitetura Socioeconômica: Gestão, Trabalho e Consumo
5.1. Gestão Familiar e a Figura de André
A estrutura de propriedade de A Pororoca segue o padrão do capitalismo familiar amazônico. As fontes indicam que se tratava de uma empresa familiar.2 Embora a identidade formal dos sócios em contrato social não esteja explicitada nos documentos públicos analisados, relatos orais e entrevistas apontam para a figura de André como o gestor ou proprietário principal durante o auge da casa.
- O relato de Jefferson sobre o incêndio menciona explicitamente que tratava os assuntos de equipamentos e prejuízos diretamente com André.7
- Jefferson também conecta André a outros empreendimentos, mencionando que ele estaria em Fortaleza com um clube chamado “Co” (possível referência a outro empreendimento ou expansão) e que ambos trabalharam juntos na produção do Carnaval da Cidade Velha.7 Isso sugere que a gestão de A Pororoca estava inserida em uma rede maior de produtores de eventos que circulavam entre diferentes festas e estados.
5.2. Empregabilidade Formal: Uma Exceção na Noite?
Um dado de extrema relevância sociológica emerge da análise acadêmica sobre a casa: A Pororoca mantinha um quadro de cerca de quarenta funcionários, todos sob regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).2
- Análise: No setor de entretenimento noturno, caracterizado pela informalidade, “bicos” e pagamentos em dinheiro vivo sem registro, a formalização de 40 funcionários é notável. Isso indica um nível de profissionalização e estabilidade administrativa raro. Esses funcionários incluíam provavelmente equipes de segurança, bar, limpeza, bilheteria e manutenção.
- Impacto Social: Ao garantir direitos trabalhistas, A Pororoca funcionava como um pilar de estabilidade econômica para dezenas de famílias da Sacramenta, injetando salários regulares na economia do bairro, além dos rendimentos variáveis da noite.
5.3. A Economia do Ingresso e do Bar
O modelo de receita da casa baseava-se no volume.
- Bilheteria: Os ingressos eram precificados de forma acessível para garantir a lotação máxima. Os valores variavam entre R$ 3,00 e R$ 10,00 (valores históricos da época de funcionamento ativo, meados dos anos 2000/2010).2 Essa política de preços baixos era essencial para competir com as festas de aparelhagem de rua e para atrair o público jovem de baixa renda.
- Consumo de Alimentos e Bebidas: Uma vez dentro, o consumo sustentava a margem de lucro. O cardápio era focado na praticidade e na cultura de “petiscos” paraense: porções de batata frita, calabresa e camarão (item obrigatório na dieta cultural local, mesmo em festas). As porções custavam entre R$ 5,00 e R$ 20,00.9 A venda de cerveja e destilados era o motor principal, com a casa operando até as 03h ou 04h da manhã.9
6. Declínio e Fechamento: O Fim de uma Era
6.1. O Status Atual: “Hoje Fechada”
Todas as evidências atuais apontam que a Casa de Show A Pororoca, em sua configuração original e gloriosa, encerrou suas atividades regulares. Fontes jornalísticas e guias culturais classificam-na como “Bares (antigo)” ou afirmam categoricamente: “Hoje fechada, ela deixou saudades”.8
6.2. Hipóteses sobre o Encerramento
Embora não haja uma certidão de óbito única para o empreendimento, a análise contextual sugere uma convergência de fatores que levaram ao seu fechamento:
- Mudança no Modelo de Negócio (Aparelhagens vs. Casas): A resistência do proprietário em contratar as grandes aparelhagens 6 pode ter se tornado insustentável a longo prazo. O público do Tecnobrega passou a demandar cada vez mais os espetáculos visuais pirotécnicos das super aparelhagens (como o Super Pop Águia de Fogo), que muitas vezes preferiam tocar em arenas próprias ou espaços abertos onde pudessem montar suas estruturas gigantescas, tornando obsoletas as casas de show tradicionais com palcos fixos limitados.
- Segurança e Regulação (Efeito Boate Kiss): Após a tragédia da Boate Kiss em 2013, o Brasil viveu um endurecimento drástico nas leis de segurança para casas noturnas. Adaptar um imóvel antigo na Sacramenta para cumprir as novas exigências de prevenção de incêndio (sprinklers, saídas de emergência múltiplas, materiais ignífugos) exigiria investimentos milionários. O histórico de incêndio mencionado por Jefferson 7 indica que a casa já tinha vulnerabilidades nessa área, o que pode ter inviabilizado a renovação de alvarás.
- Fatores Econômicos e Urbanos: A valorização imobiliária na Avenida Senador Lemos e o aumento dos custos operacionais (folha de pagamento CLT, energia, manutenção) podem ter reduzido as margens de lucro de um negócio baseado em ingressos de baixo valor.
7. O Legado Digital e a Memória Cultural
Mesmo de portas fechadas, A Pororoca permanece aberta no ciberespaço. A plataforma YouTube tornou-se o arquivo involuntário da casa. Vídeos de shows gravados há 10 ou 15 anos continuam acumulando milhares de visualizações.5
- A “Saudade” como Categoria de Consumo: Nos comentários desses vídeos e em fóruns online, ex-frequentadores expressam uma nostalgia profunda. A Pororoca tornou-se um símbolo de uma época “de ouro” do Brega, antes da fragmentação total do cenário ou da crise econômica.
- Musealização Audiovisual: Os DVDs gravados na casa (Quero Mais, Caferana) são hoje documentos históricos. Eles registram não apenas a música, mas a moda, a dança e o comportamento da juventude periférica de Belém nos anos 2000. A iluminação, a disposição do palco e a reação da plateia visíveis nesses vídeos permitem aos pesquisadores e curiosos reconstruir a atmosfera da casa.
8. Conclusão e Síntese
A Casa de Show A Pororoca foi, indiscutivelmente, um dos pilares da cultura urbana de Belém nas últimas décadas. Sua importância reside não apenas nos números superlativos — 5.000 pessoas de capacidade, 40 funcionários formais — mas na sua função social de mediação.
Ela mediou a relação entre a classe trabalhadora e o lazer, oferecendo um espaço digno e grandioso para a fruição da cultura local. Mediou a relação entre o artista e o mercado, servindo de vitrine e estúdio para a gravação de produtos que circulariam por toda a Amazônia. E mediou, através de seus camarotes e sua gestão profissional, a lenta aceitação do Brega por camadas sociais que historicamente o rejeitavam.
O silêncio atual no número 3316 da Avenida Senador Lemos contrasta com o ruído digital que o nome “Pororoca” ainda gera. A história da casa é um microcosmo das transformações de Belém: uma cidade que cresce, se moderniza e, no processo, muitas vezes apaga seus templos culturais físicos, restando à população a tarefa de preservá-los na memória e na nuvem.
Tabela 1: Perfil Operacional e Histórico da Casa de Show A Pororoca
| Parâmetro | Detalhes | Fonte Primária |
| Localização | Av. Senador Lemos, 3316, Sacramenta, Belém-PA | 9 |
| Status Atual | Fechada / Inativa | 8 |
| Capacidade de Público | Estimada em 5.000 pessoas | 2 |
| Horários de Pico | Quinta (20h-03h), Sexta/Sábado (22h-04h), Domingo (19h-00h) | 9 |
| Política Artística | Foco em Bandas e Cantores (resistência a Aparelhagens) | 2 |
| Gêneros Musicais | Brega, Tecnobrega, Melody, Calypso, Forró, Reggae | 4 |
| Estrutura de Preços | Ingressos: R$ 3,00 – R$ 10,00 | Petiscos: R$ 5,00 – R$ 20,00 | 2 |
| Gestão | Empresa familiar; Gestor citado: André; Parceiro Técnico: Jefferson | 2 |
| Força de Trabalho | ~40 funcionários sob regime CLT | 2 |
| Artistas Associados | Tonny Brasil, Gaby Amarantos (Tecnoshow), Banda Quero Mais, Caferana Pop | 5 |
| Incidente Notável | Incêndio com perda de equipamentos técnicos | 7 |
Referências citadas
- Bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará, acessado em dezembro 18, 2025, https://journals.openedition.org/pontourbe/1800?lang=en
- Tecnobrega – IDRC Digital Library, acessado em dezembro 18, 2025, https://idl-bnc-idrc.dspacedirect.org/server/api/core/bitstreams/00e445fd-aa22-40d0-83b6-e2effe209998/content
- Tonny Brasil – A Pororoca – Brega Pop – Música Paraense, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.bregapop.com.joseroberto.com.br/ritmos/tecnobrega/3432-tonny-brasil-a-pororoca
- PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Expedito Leandro Silva Do bordel às aparelhagens: a música brega parae, acessado em dezembro 18, 2025, https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/4126/1/Expedito%20Leandro%20Silva.pdf
- CAFERANA POP 1 DVD Em Belém AO Vivo Na Casa De Show A POROROCA – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=28WE5C6UPd0
- Tecnobrega, acessado em dezembro 18, 2025, https://repositorio.fgv.br/bitstreams/d4bf26bf-d67c-4d6f-bf89-9ba0c2e51a6d/download
- RECORDANDO CASAS DE SHOWS E BANDAS DE BELÉM – Jeffersom – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=h0jt0gHNjBA
- Sacramenta: onde fé e alegria vencem os problemas – DOL, acessado em dezembro 18, 2025, https://dol.com.br/noticias/para/noticia-392725-sacramenta-onde-fe-e-alegria-vencem-os-problemas.html
- Bares A Pororoca – Belém – Guia da Semana, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.guiadasemana.com.br/belem/bares/estabelecimento/a-pororoca
- O SOM DAS MARCANTES: conexões sensíveis existentes entre a música brega paraense e seus ouvintes, acessado em dezembro 18, 2025, https://repositorio.ufpa.br/bitstreams/7c171961-6651-4744-a5d7-390449823d42/download
- Desde 2001, Festival da Pororoca reúne atletas do surf e curiosos em São Domingos do Capim – Portal Amazônia, acessado em dezembro 18, 2025, https://portalamazonia.com/cultura/festival-pororoca-sao-domingos-do-capim/
- Mais uma edição do Festival Surf na Pororoca atrai atletas e turistas a São Domingos do Capim | Agência Pará, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.agenciapara.com.br/noticia/65788/mais-uma-edicao-do-festival-surf-na-pororoca-atrai-atletas-e-turistas-a-sao-domingos-do-capim
- Cartografia no Novo Mundo : Revista Pesquisa Fapesp, acessado em dezembro 18, 2025, https://revistapesquisa.fapesp.br/cartografia-no-novo-mundo/
- MANOEL DE JESUS BOUÇÃO – Mapa cultural do Pará, acessado em dezembro 18, 2025, https://mapacultural.pa.gov.br/agente/1684050/
- TONNY BRASIL (Casa de Show A Pororoca/Belém) – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=iSNP26TI-nY
- CAFERANA POP 1 DVD Em Belém AO Vivo Na Casa De Show A POROROCA – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=p4SKo925GMY
- Banda Quero Mais (1 ° DVD Ao Vivo na Casa de Show A Pororoca em Belém do Pará) – Brega – Sua Música, acessado em dezembro 18, 2025, https://suamusica.com.br/Roni_Ramos/banda-quero-mais-1-dvd-ao-vivo-na-casa-de-show-a-pororoca-em-belem-do-para
- Banda Quero Mais A Pororoca – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=fuijHYDoxOM
- DVD da Banda Ktrina na A POROROCA – Belém – PA 2007 – YouTube, acessado em dezembro 18, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=LyarVjiFg-w


